sábado, 3 de novembro de 2012

No dia-a-dia dos idosos de PE, drama, violência e esperança

A voz baixinha substitui um sorriso aberto, espontâneo e singelo. Rompe o silêncio nos primeiros trinta segundos de visita de qualquer desconhecido que adentra na Casa do Idoso da Divina Misericórdia e é atraído pelo senhor de pijamas azul de listras-finas-esgarçadas. Seu Domingos Marçal logo introduz a deixa de que precisava para mostrar sua identidade, falar do passado e do presente. O futuro já não o interessa mais. “Ainda hoje chegou um magote de gente e eu mandei tirar o triângulo. O povo deu uma dançada danada”, conta. O triângulo, escondido com delicadeza e preocupação debaixo do travesseiro fofo, tomou o lugar da antiga sanfona. O instrumento da preferência dele ficou tão pesado quanto os anos de vida acumulados. São 92. Seu Domingos é a estrela do abrigo, em São José do Egito, no Sertão, a 412 quilômetros do Recife. Não canta. Busca ritmo numa batida solitária do forró acelerado. E, assim, vive. E, assim, encanta.
 Seu Domingos, 92 anos, de São José do Egito, com o seu “melhor amigo”: o triângulo

O Diario constatou o aumento da quantidade de denúncias de maus tratos, abandono, negligência, abuso ou exploração financeira de idosos em Pernambuco. Principalmente dentro do seio familiar. Em 2002, apenas dois casos chegaram ao Disque-Denúncia (0800 281 9455). Entre janeiro e 31 de julho de 2007, foram 156, segundo balanço feito pelo Ministério Público. Na Delegacia do Idoso no Recife, a única do estado (aberta há três meses), registra-se por dia entre 3 e 10 denúncias. Mas ainda é precária a estrutura dos poderes públicos para que se reverta o quadro.

Dos 184 municípios do estado, apenas 32 (17% do total) possuem “conselhos do idoso”. Neles, vivem 283 mil pessoas com mais de 65 anos (em Pernambuco, são 486 mil, informa o Censo de 2000 do IBGE). O conselho é um instrumento eficiente para fazer chegar às autoridades as denúncias dos crimes cometidos e cobrar a punição dos responsáveis. Outro mecanismo de defesa é o Fundo Municipal do Idoso, que financia programas e o sustento de casas de convivência. Basta vontade política dos prefeitos para fazê-los funcionar. Foram percorridos 11 municípios do estado para esta série de reportagem. Ela marca o Dia Internacional e Nacional do idoso - celebrado nesta segunda-feira, 1º de outubro (até o ano passado o Dia Nacional era comemorado em 27 de setembro. Decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mudou a data para coincidir com o Dia Internacional).

Nas matérias, priorizamos as histórias das pessoas do que números e entrevistas com especialistas. As imagens, captadas pela fotógrafa Jaqueline Maia, e os relatos feitos pelos idosos, são mais fortes do que qualquer estatística. O
Diario faz uma radiografia da situação do idoso no estado, impondo uma reflexão sobre o que falta para que todos gozem o restante de vida dignamente. Como seu Domingos, que se diz feliz porque considera ter tudo o que precisa: casa, comida, cuidados médicos e, claro, o triângulo que guarda sob o travesseiro.

entrevista
[ Ana Amélia Camarano ]

“É preciso criar mais instituições de amparo para eles”


Vice-presidente do Conselho Nacional do Idoso, ela é uma das mais respeitadas especialistas do Brasil, em particular na questão da violência doméstica. Coordenadora do grupo de População e Cidadania do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a economista tem mestrado em Demografia, doutorado em Estudos Populacionais em Londres e pós-doutorado em Tóquio. Co-autora de 12 livros, organizou outros três. Nesta entrevista, por telefone, do Rio de Janeiro, a professora falou sobre violência e soluções para o problema.


Como a senhora avalia o tratamento dado pelas autoridades e pela sociedade à questão dos cuidados ao idoso e da violência doméstica contra eles no Brasil?

Esse é um tema muito complicado porque entrar na família não é simples. Agora, tende-se a vilanizar as famílias, mas você precisa considerar o todo. Inclusive deve ponderar a participação do estado na resolução desse problema. Porque existem maus-tratos familiar? Muito do abandono e da negligência tem a ver com falta de tempo de não poder cuidar. Coisas da modernidade. Hoje a mulher, que sempre foi responsável pelo idoso, precisa complementar a renda. Claro que tem todo tipo de violência - aquele que bate no avô para pegar dinheiro não tem jeito. Mas devo ressaltar que existe uma dificuldade imposta pela legislação porque ela põe a família como única responsável pelo bem-estar do idoso e não cria condições para ajudá-la nos cuidados desse idoso.

Que alternativas a senhora vê para melhorar a situação de quem vive em situação vulnerável, de risco, de abandono ou de maus tratos?

A criação de instituições de amparo ao idoso, seja ela particular ou não, não é a única alternativa. Não é a melhor, mas pode ser uma alternativa para o idoso dependente. E cabe ao governo ajudar o cuidador familiar [denominação dada ao profissional especializado em cuidar do idoso], dando uma licença remunerada ou criando centros de apoio diurnos.

Mas a senhora acha que o brasileiro está preparado para incorporar a opção do abrigo?

A cultura latina resiste. Mas há 20 anos, colocar a criança na creche era absurdo. É uma questão de adaptação nacional, ligada ao envelhecimento e às mudanças da família.

A delegacia do Idoso do Recife tem feito seu trabalho, apesar da pouca estrutura de que dispõe (são apenas 20 policiais para receber e investigar de três a 10 denúncias por dia). A maioria dos casos é de maus tratos. Neste ranking, a apropriação de cartões de aposentadorias e pensões está em segundo lugar. “A aposentadoria virou alvo de discórdia e de muitos abusos”, afirma o delegado Eronildo Farias.

Serviço

O número do Disque-Denúncia de Idosos da Secretaria de Segurançaé o 3421-9595. A delegacia recebe denúncias pelo 3303-5425. O número do Ministério Público é o 0800 281 9455
Em Belo Jardim o Tel. do Conselho do Idoso é 3726-3013.
  
EVOLUÇÃO POPULACIONAL DE PESSOAS
COM MAIS DE 65 ANOS

  % de cresc. % de cresc.
  1991 2001
No Brasil 5,44 6,48
No Nordeste 5,80 6,54
Em Pernambuco 6,12 6,83

MUNICÍPIOS DE PE ONDE O Nº DE IDOSOS CRESCEU MAIS
  % de cresc. % de cresc. Censo Populacional
  1991 2001  
Frei Miguelinho 11,8 12,9 1.593
Altinho 11,2 10,4 2.249
Ibirajuba 9,9 11,1 745
Angelim 8,9 10,9 882
Saloá 10,5 10,7 1.440

* Foi considerado o somatório dos grupos de idade entre 65 e 69 anos, 70 e 79 anos e com mais de 80 anos de idade. São pessoas com cinco anos ou mais de residência em determinada localidade. O censo populacional utilizado é de 2000, o último realizado pelo IBGE

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/ IBGE-PE

ENTENDA O BOOM POPULACIONAL
Entre 1991 e 2000 a população de Pernambuco com idade superior a 65 anos cresceu cerca de cinco vezes mais do que a população como um todo. Enquanto o total de idosos no estado aumentou 6,8%, a população em geral avançou apenas 1,2%. O crescimento dos idosos em PE foi um pouco maior que o do Nordeste (6,5%) e do Brasil (6,4%). Estamos prestes a ver um boom dos idosos aqui, e no mundo. Os demógrafos estimam que em 2025 pela primeira vez o planeta terá mais velhos que crianças. No Brasil, são hoje 19 milhões; em PE, 486 mil (Censo 2000). De acordo com a geógrafa e estudiosa da demografia regional Taís Corrêa, da UFPE, o boom traduz uma mudança de perfil. O brasileiro reduziu as taxas de fecundidade, de natalidade e de mortalidade. Com melhores condições sociais, aumentou a esperança de vida. Na década de 80, vivia cerca de 48 anos em Pernambuco; passou para 62 anos em 90. Hoje, segundo o mais recente estudo do IBGE, alusivo a 2006, a média de vida em Pernambuco é de 67,9 anos.



Nenhum comentário: